GLP-1, sede e equilíbrio hídrico: o que a ciência já sabe
5 setembro, 2025
O uso dos análogos de GLP-1, popularmente conhecidos como “canetas emagrecedoras”, vem crescendo de forma impressionante nos últimos anos. Com ele, também aumentam os debates sobre efeitos colaterais e estratégias para minimizar riscos.
Entre os possíveis efeitos está a desidratação. Isso porque, além de sintomas gastrointestinais comuns no início do tratamento, como diarreia e vômito, pesquisas mostram que o GLP-1 pode influenciar diretamente a percepção de sede e, consequentemente, o equilíbrio hídrico do organismo.
Mas como esse hormônio atua sobre a sede? E o que já sabemos a partir de estudos em animais e humanos? Vamos entender melhor.
Como funciona o mecanismo da sede
A sede é um instinto vital. Ela surge quando sensores espalhados pelo corpo detectam alterações no equilíbrio hídrico e enviam sinais ao cérebro. Ali, diferentes sistemas hormonais — como vasopressina, angiotensina e fatores natriuréticos — modulam a resposta, estimulando o impulso de beber água ou ajustando a retenção/excreção pelos rins.
Quando falta água, as células “murcham” e ativam receptores cerebrais que aumentam a sede e reduzem a eliminação urinária. Quando há excesso, acontece o contrário: as células se expandem, a sede diminui e a urina se torna mais diluída.
Vale lembrar que a regulação da sede também conta com reflexos antecipatórios. O sabor e o teor de sal de uma bebida, por exemplo, podem estimular ou reduzir a ingestão antes mesmo de o líquido afetar a hidratação interna. Além disso, receptores na garganta ajudam a modular a sensação de sede logo nos primeiros goles de água, o que explica por que muitas vezes paramos de beber antes de realmente estarmos hidratados.
O papel do GLP-1 na ingestão de líquidos
Já se sabe que o GLP-1 tem efeito sacietogênico sobre a alimentação — ele reduz o apetite e a ingestão calórica. Mas estudos sugerem que esse efeito pode se estender também à ingestão de líquidos.
Isso porque neurônios da chamada lâmina terminal, uma estrutura cerebral essencial para o controle da sede, possuem receptores de GLP-1. Assim, a ativação dessas vias pode reduzir não só a vontade de comer, mas também a de beber.
Esse mecanismo ajuda a explicar por que alguns pacientes em tratamento com análogos de GLP-1 relatam baixa ingestão hídrica e até sinais de desidratação.
Curiosamente, em situações opostas — como polidipsia primária (sede excessiva) ou deficiência de vasopressina — os efeitos do GLP-1 podem ser benéficos, abrindo espaço para possíveis usos terapêuticos.
O que mostram os estudos
Em animais
Pesquisas em modelos animais mostraram que a administração de GLP-1 reduz significativamente a ingestão de líquidos e aumenta a excreção urinária de água e sódio, de forma dependente da dose.
Esses efeitos ocorrem tanto com a presença quanto com a ausência de alimento, sugerindo que a ação do GLP-1 sobre a sede não é apenas reflexo da menor ingestão alimentar, mas sim um mecanismo específico.
Em humanos
O passo seguinte foi investigar se esses efeitos também se aplicavam a pessoas.
Um estudo clínico duplo-cego, randomizado e controlado por placebo avaliou 20 voluntários durante 3 semanas de tratamento com dulaglutida (1,5 mg/semana) ou placebo. Na última semana, os participantes passaram por avaliação com acesso livre à água e refeições padronizadas.
Os resultados mostraram que 16 dos 20 participantes beberam menos água sob tratamento com dulaglutida em comparação ao placebo — cerca de 1300 ml contra 1600 ml (P = 0,06). Além disso, a diurese de 24 horas foi significativamente menor (1250 ml vs. 1680 ml; P = 0,04).
Curiosamente, não houve diferença na percepção subjetiva de sede entre os grupos. Ou seja, os participantes não se sentiram menos sedentos, mas de fato ingeriram menos líquidos.
Ao contrário dos estudos em animais, não foi observada diferença na excreção de sódio urinário, possivelmente porque as refeições oferecidas tinham baixo teor de sal.
O que isso significa na prática?
O conjunto das evidências sugere que o GLP-1 pode, sim, modular a ingestão de líquidos, diminuindo a sede e, potencialmente, contribuindo para episódios de desidratação em pessoas em uso de análogos.
Por outro lado, esse mesmo mecanismo pode ser explorado como recurso terapêutico em condições caracterizadas por ingestão exagerada de líquidos, como a polidipsia primária.
Ainda há muito a ser esclarecido, especialmente em humanos, mas fica cada vez mais claro que os efeitos do GLP-1 vão além da regulação do apetite alimentar — alcançando também o equilíbrio hídrico.
👉 Em resumo: quem utiliza análogos de GLP-1 deve ter atenção redobrada à ingestão de água, mesmo quando não sentir sede. E os profissionais de saúde devem considerar esse efeito na prática clínica, tanto para prevenir desidratação quanto para explorar possíveis usos terapêuticos.